Conto indiano que nos fará compreender o
comportamento de muitos na pandemia
Um dia, um rei teve um sonho:
sentado em seu trono, no salão central do palácio, ao olhar à sua volta, viu
que várias raposas entravam e saíam pelas janelas do salão, correndo de um lado
para o outro, à sua volta. Assustado, chamou seus áugures e conselheiros e lhes
pediu que decifrassem o sonho, mas nenhum deles deu uma resposta que lhe
satisfizesse. Mandou, então, que se espalhassem proclamas por todo o reino
descrevendo seu sonho e prometendo a recompensa de um saco de moedas de ouro
para quem o decifrasse satisfatoriamente.
No meio da floresta, um lenhador
muito pobre, de nome Ravi, leu o proclama e pensava, sentado em um tronco de
árvore, sobre como seria bom se ele soubesse o significado daquele sonho, pois
um saco de moedas de ouro o redimiria de sua miséria. Quando assim pensava,
pousou um belo e pequeno pássaro colorido próximo dele, no tronco, e lhe falou:
“- O que o entristece, Ravi?
Gostaria de saber o significado deste sonho do rei? ”
Ravi se assustou:
Ravi se assustou:
“- O quê? Um pássaro que fala! ”
“- Não só falo, como também sei o
significado deste sonho, e posso te contar, com a condição de que você volte
aqui e dívida este saco de ouro comigo. Combinado? ”
Bem, pensou Ravi, meio saco de
moedas de ouro é sempre melhor do que nenhum saco de moedas de ouro; assim, ele
concordou com a condição do pássaro, e este prosseguiu:
“- O sonho do rei significa que o
ar do reino está impregnado de traição; que ele se acautele para que não seja traído!
”
Assim, Ravi foi e se apresentou
ao rei, que, muito grato pela explicação, que coincidia exatamente com o que
ele já intuía estar acontecendo, deu-lhe de imediato o saco de moedas de ouro.
Porém, no caminho de casa, Ravi começou a pensar:
“-Minha miséria é tamanha que
necessitava de todo este saco de ouro para me redimir dela, e não apenas
metade. Também, para que um passarinho necessita de moedas de ouro, cada uma
delas quase do seu tamanho? Que miserável explorador! O que vai fazer com isso?
“
Assim pensando, resolve tomar
outro caminho para casa, evitando o ponto de encontro com o pássaro e guardando
todo o ouro para si. Com as moedas, pôde construir uma casa bem melhor e mais
confortável do que sua choupana, e ali viver com relativo conforto.
Um dia, porém, passado algum
tempo, o rei tem outro sonho: sentado em seu trono, ao olhar para cima, viu que
havia um punhal pendente do teto, prestes a cair sobre sua cabeça. Assustado,
acorda e chama seus guardas:
“- Não chamem ninguém; vão
diretamente à casa daquele lenhador, Ravi, e o tragam aqui. Só ele entende de
sonhos, neste reino. Diga-lhe que lhe darei dois sacos de moedas de ouro como
recompensa.
Qual não foi a surpresa de Ravi
ao ver a guarda real em sua porta; tentou se esquivar do convite, mas foi
informado pela mesma que a recusa a um convite do rei era punida com a morte.
Assim, pediu que lhe contassem o sonho e lhe dessem um dia para pensar; no dia
seguinte, estaria com o rei. Quando os guardas se retiraram, porém, entrou em
desespero: como faria para salvar a sua vida?
Sua única saída foi voltar à
floresta e sentar-se naquele tronco, pondo-se a lamentar. Em breve, o pássaro
veio:
“- O que houve, Ravi? O rei teve
um novo sonho?
“- Sim… Se puder me ajudar,
comprometo-me a, seja lá o que for que eu receba, dividir contigo, com certeza!
”
– Então, o pássaro, aceitando a proposta, falou:
– Então, o pássaro, aceitando a proposta, falou:
“- O sonho do rei indica que o ar
do reino está impregnado de violência; vai e diz a ele para que se acautele
para não ser vítima de nenhum ato violento! ”
Ao falar do significado do sonho
ao rei, este, mais radiante que nunca, entregou a Ravi, os dois sacos de ouro.
No caminho de volta para casa, porém, Ravi pôs-se a pensar:
“- Como esse passarinho é desleal
e aproveitador! Usa minha dor e aflição para enriquecer às minhas custas! É um
vil e ordinário! Já terá sua recompensa em uma bela pedrada! ”
Com este pensamento em mente,
Ravi se dirige ao local do encontro; pega uma pedra na mão e a esconde às
costas.
Quando o pássaro se aproxima, ela
a lança com força, mas o pássaro, espertamente, levanta voo a tempo, e a pedra
apenas passa de raspão. Assim, Ravi volta para casa e passa a viver com ainda
maior comodidade e luxo.
Porém, o tempo gira, e, um dia, o
rei tem um novo sonho. Agora, sentado em eu trono, vê ovelhas muito brancas
entrando e saindo pelas janelas, e correndo à sua volta. Sem hesitações, chama
sua guarda e manda que tragam Ravi à sua presença, com a promessa da recompensa
de três sacos de ouro.
Perplexo ante a guarda á sua
porta, Ravi usa a mesma estratégia de ouvir o sonho e pedir um dia para pensar.
Porém, agora, seu desespero é total e sem perspectivas: se é que o pássaro
sobreviveu, como haveria de confiar nele novamente, após quase morrer através
de suas mãos? Como havia sido estúpido, ingrato e brutal! Reconhecendo seu erro
passado, chorou amargamente.
Sem ter mais o que fazer, Ravi
arrastou-se até a floresta e sentou-se no antigo tronco. Para sua surpresa, o
pássaro, em breve, aproximou-se e pousou ao seu lado:
“-Novo sonho do rei, Ravi? ”
Sem caber em si de alegria, Ravi
pôs-se de joelhos ante o pássaro, pedindo-lhe mil perdões por sua conduta
passada. O pássaro, sem dar muita atenção a estas demonstrações de
arrependimento, concordou em dizer o significado do sonho, com a mesma condição
de sempre: metade da recompensa.
“- Diga ao rei que as ovelhas
representam pureza; agora, há pureza e honestidade impregnando o ar do reino.
Que ele desfrute e fique em paz. ”
Correndo na direção do rei e
relatando o sonho, Ravi recebeu abraços e condecorações de um soberano ainda
mais feliz, pois, afinal, agora a notícia era boa. Ao receber seus três sacos
de moedas de ouro, Ravi, desta vez, finalmente, mostrou-se sinceramente
determinado a corrigir seus erros passados, e foi ao ponto de encontro:
“- Aqui está, belo pássaro
colorido: o meio saco de ouro que te devia da primeira vez, um saco de ouro que
te devia da segunda vez e um saco e meio que te devo por este terceiro sonho.
Ao todo, três sacos de ouro, tudo o que acabo de receber, além de meu pedido de
perdão. ”
Para sua surpresa, porém, o
pássaro lhe disse:
“- Não necessito de moedas de
ouro, Ravi; tudo o que preciso são sementes para me alimentar, um galho para
pousar, asas para voar e meu canto, para embelezar meus dias. Tenho tudo isso
sem necessitar de ouro. Também não necessito de seu pedido de perdão, pois
nunca esperei que você agisse de maneira diferente. No primeiro momento o ar do
reino estava impregnado de traição, e você me traiu; no segundo momento, o ar
do reino estava impregnado de violência, e você foi violento comigo. Agora, o
ar do reino está impregnado de pureza e honestidade, e você está sendo puro e
honesto comigo. Poucos homens são capazes de serem fieis a si mesmos, sem se
deixarem contaminar pelo ar à sua volta, e nunca esperei que você fosse um
deles. Leve seu ouro e seja feliz se puder, apesar da miséria continuar vivendo
dentro de ti.
Extraído (linguagem adaptada) do
Katasaritsagara, ou “Oceano do rio de contos” indiano.
O texto foi trazido da página de Lúcia Helena
Galvão, filosofa.
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